Todo trabalhador espera encontrar no ambiente de trabalho segurança e condições adequadas para exercer suas funções. No entanto, quando ocorre um acidente de trabalho, a situação pode se tornar ainda mais delicada se a empresa se recusa a reconhecer sua responsabilidade.
Nessas horas, o trabalhador se vê diante de um impasse: como garantir seus direitos se o empregador nega que o acidente aconteceu durante o serviço? Quais provas são aceitas? E quais medidas legais podem ser adotadas?
Entender como funciona o reconhecimento do acidente e quais instrumentos jurídicos estão disponíveis é essencial para que o trabalhador não fique desamparado.
Contexto legal
O acidente de trabalho é regulamentado pelos artigos 19 a 21 da Lei nº 8.213/1991, que trata dos benefícios da Previdência Social.
Segundo a lei, é considerado acidente de trabalho aquele que ocorre no exercício da atividade profissional, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause morte, perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
A norma também equipara ao acidente de trabalho:
- o ocorrido no trajeto entre casa e trabalho;
- as doenças ocupacionais (profissionais e do trabalho);
- e os acidentes provocados por terceiros durante o exercício da atividade laboral.
O reconhecimento formal é feito por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), documento obrigatório que deve ser emitido pela empresa.
O que a lei prevê sobre o dever da empresa
A empresa é obrigada, por lei, a comunicar o acidente ao INSS, mesmo que não reconheça sua culpa.
O artigo 22 da Lei nº 8.213/1991 determina que a CAT deve ser emitida até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência. Se o trabalhador morrer, a comunicação deve ser imediata.
A recusa em emitir a CAT é passível de multa e pode caracterizar violação de dever legal.
Em caso de omissão, o documento pode ser registrado também por:
- o próprio trabalhador ou seus dependentes;
- o sindicato da categoria;
- o médico assistente;
- ou qualquer autoridade pública.
Quando a empresa nega o acidente: o que fazer?
A negativa de reconhecimento por parte do empregador não impede o trabalhador de buscar seus direitos.
Se a empresa se recusar a emitir a CAT, o funcionário deve:
- Registrar a CAT por conta própria junto ao INSS.
O documento pode ser preenchido online, no portal Meu INSS, ou diretamente em uma agência, com apresentação de laudos médicos, atestados e outros comprovantes do acidente. - Procurar atendimento médico imediato.
O laudo médico é fundamental, pois descreve o tipo de lesão, o vínculo com o trabalho e o período necessário de afastamento. - Guardar todas as provas.
Fotos do local do acidente, mensagens, testemunhas e registros de ocorrências podem ser usados como evidências em eventual disputa judicial. - Solicitar o benefício junto ao INSS.
Com a CAT e os documentos médicos, o trabalhador pode solicitar o auxílio por incapacidade temporária acidentário (antigo auxílio-doença acidentário), conforme os artigos 59 e 60 da Lei nº 8.213/1991. - Buscar apoio jurídico ou sindical.
Caso o INSS ou a empresa neguem o nexo com o trabalho, é possível recorrer administrativamente e, em última instância, ingressar com ação judicial.
Como comprovar o vínculo entre o acidente e o trabalho
O chamado “nexo causal” — a ligação entre o acidente e a atividade laboral — é o principal ponto de debate nos casos em que a empresa nega responsabilidade.
O perito médico do INSS realiza uma avaliação técnica para verificar se a lesão tem relação direta com o trabalho.
Além disso, provas documentais e testemunhais podem reforçar o vínculo, como:
- registros de ponto;
- comunicações internas;
- escalas de serviço;
- relatos de colegas de trabalho;
- e histórico de tarefas desempenhadas.
Quando o caso chega à Justiça, o juiz pode determinar perícia judicial independente, que muitas vezes é decisiva para o reconhecimento do acidente.
Possíveis consequências do não reconhecimento
Se o acidente não for reconhecido como de trabalho, o trabalhador perde benefícios específicos, como:
- estabilidade provisória de 12 meses após o retorno (art. 118 da Lei nº 8.213/1991);
- depósitos do FGTS durante o afastamento;
- e indenização por danos morais ou materiais, quando há culpa da empresa.
Por isso, a negativa de responsabilidade tem efeitos significativos — e exige reação rápida e bem documentada.
A proteção do trabalhador e a responsabilidade social da empresa
O reconhecimento de um acidente de trabalho não é apenas uma questão burocrática, mas uma demonstração de responsabilidade social da empresa.
Negar o ocorrido ou dificultar a emissão da CAT coloca em risco não apenas os direitos do empregado, mas também a credibilidade da própria organização.
Além da indenização individual, empresas que negligenciam a segurança do trabalho podem ser responsabilizadas administrativamente, civilmente e até criminalmente, conforme o artigo 132 do Código Penal, que trata da exposição de alguém a perigo direto e iminente à vida ou à saúde.
Quando a empresa se recusa a reconhecer um acidente de trabalho, o trabalhador não está desamparado.
A legislação brasileira garante instrumentos eficazes para que ele possa comprovar o ocorrido e reivindicar seus direitos, seja administrativamente, seja na Justiça.
Mais do que um direito individual, a proteção ao trabalhador acidentado é um pilar da justiça social e da dignidade humana — princípios que sustentam o Direito do Trabalho no país.
Em um cenário onde o diálogo e a prevenção ainda são desafios, informação é a maior forma de proteção.