O número de casais que optam por viver em união estável cresce a cada ano no Brasil. Seja pela praticidade, pelo afastamento do modelo tradicional do casamento ou simplesmente por escolha pessoal, essa forma de constituir família deixou de ser exceção e passou a ser parte da realidade de milhões de brasileiros.
Mas junto com essa mudança de comportamento, surgem dúvidas fundamentais: o que acontece com o patrimônio quando um dos companheiros falece? O sobrevivente tem direito à herança? Há diferença em relação ao casamento formal?
A resposta envolve compreender a evolução da legislação e a atuação do Poder Judiciário nos últimos anos.
União estável: reconhecimento jurídico
A união estável é prevista no artigo 1.723 do Código Civil, que a define como a convivência pública, contínua e duradoura entre duas pessoas, estabelecida com o objetivo de constituir família.
Ao contrário do casamento, a união estável não exige solenidades. Ela pode ser reconhecida a partir de provas da convivência, como contas conjuntas, endereço comum ou mesmo testemunhos. Ainda assim, muitos casais optam por formalizar a relação em cartório, por meio de escritura pública, para reduzir riscos de disputas futuras.
A virada do STF: igualdade com o casamento
Durante anos, a lei estabelecia um tratamento desigual entre cônjuges e companheiros. O artigo 1.790 do Código Civil restringia os direitos sucessórios de quem vivia em união estável, garantindo menos proteção patrimonial do que a concedida ao cônjuge no casamento.
Esse cenário mudou em 2017, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional essa diferença, no julgamento dos Recursos Extraordinários nº 878.694/MG e nº 646.721/RS.
Desde então, não há distinção: companheiros e cônjuges passaram a ter os mesmos direitos sucessórios. Essa decisão representou um marco na equiparação entre os dois modelos de família.
O que a lei garante hoje
Com base no entendimento do STF e na aplicação atual do artigo 1.829 do Código Civil, o companheiro sobrevivente é considerado herdeiro necessário, exatamente como o cônjuge. Isso significa que:
- O companheiro tem direito à meação, ou seja, metade dos bens adquiridos onerosamente durante a união (quando não houver contrato estabelecendo regime diverso).
- Além da meação, participa da herança em concorrência com os descendentes (filhos e netos).
- Na ausência de descendentes, concorre com os ascendentes (pais e avós do falecido).
- Se não houver descendentes nem ascendentes, o companheiro sobrevivente herda a totalidade do patrimônio.
Outro ponto importante: a sucessão não afasta a obrigação alimentar nem os deveres de assistência mútua, que permanecem até o fim da união.
Disputas judiciais e a importância da formalização
Embora a lei assegure a igualdade de direitos, na prática, a ausência de documentos formais pode abrir espaço para litígios. Em muitos processos, familiares contestam a existência da união estável, alegando que a relação não atendia aos critérios legais de publicidade, estabilidade ou intenção de constituir família.
Nesses casos, provas como contratos de aluguel, planos de saúde conjuntos, fotografias e testemunhas se tornam determinantes para o reconhecimento judicial da união.
Por isso, especialistas apontam que, ainda que não seja obrigatório, formalizar a união estável em cartório continua sendo uma medida de segurança jurídica.
A nova realidade das famílias brasileiras
A equiparação entre casamento e união estável no campo sucessório reflete uma transformação mais ampla: a lei e a Justiça passaram a reconhecer diferentes formas de constituir família.
O que antes era visto como uma relação paralela ao casamento, hoje ocupa lugar de legitimidade e proteção jurídica. Para os casais, a mensagem é clara: viver em união estável não significa viver sem direitos.
A legislação e a jurisprudência brasileira caminharam para assegurar ao companheiro sobrevivente os mesmos direitos garantidos ao cônjuge. Essa mudança traz segurança, mas também reforça a necessidade de organização e clareza entre os casais que optam por esse modelo.
Mais do que uma questão patrimonial, a sucessão na união estável é um tema que envolve reconhecimento, igualdade e proteção da família, independentemente do formato em que ela se constitua.